A minha última valsa
No segundo dia
do terceiro mês
vinte vinte e três
fui fazer a PET
lá no IPO do Porto.
Ponto Porto, ponto morto.
Porto morto, Porto ponto,
morto ponto, morto Porto
numa lenga lenga
que não se repete.
Dó, Ré, Mi Dó, Ré, Mi
Dó, Ré, Mi, Fá, Si
Ré
Ré, Mi, Fá
Ré, Mi, Fá
Sol, Fá, Mi, Ré, Dó.
Sem os tempos certos
e com as notas trocadas.
Assim como assim
eu nem sequer sei dançar.
Júlio Roldão
Quem chega a um dos desertos da Terra e do percurso de cada um, esses lugares sem sombras que não as que os homens projectam, lugares inóspitos onde só resiste vida com a força de uma Welwitschia Mirabilis (a planta que nasce no Namibe sob o nome popular de "polvo do deserto"), quem se faz a essa travessia acreditando que uma única tâmara poderá ser suficiente para aguentar três dias e três noites, está longe de imaginar o que será naufragar à vista de uma praia da margem direita do Mediterrâneo quando a esperança parece já tão perto.
Uma vez, numa peça de teatro, naufraguei improvisando o papel de patrão de costa de uma pequena embarcação que se tinha feito ao mar sobrelotada de passageiros que apostavam tudo nessa viagem para fugir de terrores e de misérias que só adivinhamos nos relatos pobres e insuficientes de alguns jornalistas em certos telejornais.
Numa das indicações de cena dessa peça de teatro, numa das chamadas didascálias, lia-se que os náufragos eram pessoas como nós "em busca um sítio melhor onde fosse possível viver e não apenas sobreviver". Quanto a mim, actor disponível a repetir, todas as doces noites, essa cena do naufrágio, limitava-me, pela repetição inerente ao Teatro, a "resistir à dureza da minha vida real" e a atravessar os meus desertos imaginários.
Eu que tenho entrado e saído de Itália tantas vezes, incluindo durante o tempo da pandemia da Covid'19 (ultimamente de visita a um filho e à respectiva família, entretanto alargada a mais um neto), eu já não sei se consigo indignar-me com as notícias que nos chegam de náufragos que morrem, também em praias italianas, por não entrarem nas quotas que impomos como limite de lotação concedida aos outros.
Perco-me, na relatividade das nossas vidas, a atravessar este meu recente indesejado deserto e a lamuriar a minha própria sombra, deserto e sombra só agora identificados. Agora que vou para velho e tenho nos bolsos várias tâmaras e esta imensa pena de mim.
A ler notícias numa edição em papel de um jornal, como todos, escrutinador até das esperas. Sinalizado para avaliação das massas mais visíveis pelo levantamento de todos os marcadores possíveis, na linguagem cifrada dos cuidadores mais qualificados e especializados.
Eu quero nadar no Lima naquele lugar da ponte. Nessas águas nos perdemos e afogamos memórias, tentando reescrever as nossas próprias histórias.
Leituras decantadas e cartas em papel timbrado. Duas promessas para o novo ano.
Em Itália, no Natal de 2022
Em Itália, no mais agitado Natal dos últimos anos. Um Natal que incluiu uma passagem pelas urgências hospitalares, na própria noite de Natal, e a triste notícia, no dia 26, da morte do meu grande amigo José Altino
Na Associação dos Jornalistas
Numa vernissage de retratos antigos. A apresentar o "Tempo dos Tios", exposição de pintura de Filomena Correia, na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Não há fome que não dê em fartura.
O público das redes sociais
já não é como o público da Poesia
tal qual Balestrini o definia
("(...)Atencioso, generoso, atento,
prudente, interessado, devotado (...)").
O das redes sociais, esse sim,
"sentado em frente de nós, ameaçador",
destila ódio puro e propaga mentiras.
Opaco e por demais focado nas intrigas,
o público das redes sociais
já nem sequer finge ser o da Poesia.
Júlio Roldão
01.05.2022
A roubar três versos do poema de Nanni Balestrini, "pequeno louvor do público da poesia", na tradução para Português de Alberto Pimenta.