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Roldeck.

Júlio Roldão

Ontem, dia 17 de Novembro deste ano da graça de 2023, viajei no tempo até 20 de Maio de 1990 e aterrei na cidade do Mindelo, na caboverdiana ilha de S. Vicente, onde tive tratamento VIP, com direito a carro à saída da escada do avião e passagem pela sala dos passageiros importantes até então só usada pelo Papa João Paulo II, como fizeram questão de me dizer. Nessa noite de 20 de Maio dormi no Aparthotel Avenida, onde fiquei duas noites, antes de voar para a Vila do Maio, antiga Vila do Porto Inglês, designação que ficou do tempo em que os ingleses exploravam o sal dessa terra e eram armadores locais.
Na cidade da Praia, fiquei no Hotel Oásis Atlântico Praiamar, na zona das embaixadas e perto da Assembleia Nacional Popular como a recepcionista Lóide pode testemunhar. Ela lembra-se de mim, o hóspede que ela julgava importante por ter sempre motorista à hora marcada.
Foi neste hotel que conheci, fugaz e ocasionalmente, Francesca Perucci, então em Cabo Verde a recolher dados para a ONU sobre a situação das mulheres do arquipélago, país que então dependia da emigração masculina, o que fazia com que recaísse sobre as mulheres o exclusivo da responsabilidade dos filhos nascidos de uma ou de mais ligações maritais.
Volto à noite de ontem, dia 17 de Novembro deste 2023, e a ver-me fruir, numa cadeira de orquestra do Coliseu do Porto, o concerto dos 40 anos de carreira de Tito Paris. Agora ele chama o primeiro cúmplice, Dany Silva, para ambos cantarem “Crioula de São Bento” - “Meter conversa com ela // dar um passeio com ela // estar um bocado com ela “...
Há 33 anos, em Cabo Verde, além de ter entrevistado Aristides Pereira, o primeiro presidente do país, tive, por exemplo, um almoço, a dois, com o poeta e então ministro da Justiça, Corsino Fortes, poeta que confessou querer ser tambor no coração do imbondeiro, ambos já sem medo de ter medo, como outrora cantara outro poeta caboverdiano, Daniel Filipe - (...)“de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura // cumprindo os pequenos ritos quotidianos // cigarro após o almoço // café com pouco açucar // má língua e literatura”.
Agora no palco do Coliseu do Porto, Tito Paris está acompanhado do angolano Paulo Flores. A Maria Teresa Donato, na cadeira de orquestra ao lado da minha, também ela nascida em Angola, diz que o Paulo Flores é um dos grandes. Ela está quase a levantar-se e a dançar ali mesmo, à frente de uma cadeira de orquestra para desespero de uma assistente de sala.
Eu já sabia que o próximo convidado e cúmplice seria Rui Veloso. O que não sabia é que “O Meu Primeiro Beijo” também é ou pode ser uma belíssima morna - (...) Quero o meu primeiro beijo // não quero ficar impune // e dizer-te cara a cara // muito mais é o que nos une // que aquilo que nos separa! (...)”
Ontem, no Coliseu do Porto, sala onde vi pela primeira vez um filme para 17 anos, quando ainda não tinha 17 anos (uma comédia com Sammy Davis Jr), ontem foi a noite em que vi e ouvi pela primeira vez Sandra Horta, uma caboverdiana cuja voz enche uma sala como o Coliseu do Porto.
Quando, há 33 anos, estive em Cabo Verde pela primeira vez, a Sandra Horta ainda era uma criança. Ontem foi a última convidada de Tito Paris. Não actuou descalça como actuava Cesária, outra voz caboverdiana e do Mundo que também foi recordada e foi homenageada.
“Quem mostrava esse caminho longe?”
Sodade. Saudades de Cabo Verde.

18.11.2023 21h00mn

No Coliseu do Porto

Ontem, dia 17 de Novembro deste ano da graça de 2023, viajei no tempo até 20 de Maio de 1990 e aterrei na cidade do Mindelo, na caboverdiana ilha de S. Vicente, onde tive tratamento VIP, com direito a carro à saída da escada do avião e passagem pela sala dos passageiros importantes até então só usada pelo Papa João Paulo II, como fizeram questão de me dizer. Nessa noite de 20 de Maio dormi no Aparthotel Avenida, onde fiquei duas noites, antes de voar para a Vila do Maio, antiga Vila do Porto Inglês, designação que ficou do tempo em que os ingleses exploravam o sal dessa terra e eram armadores locais.
Na cidade da Praia, fiquei no Hotel Oásis Atlântico Praiamar, na zona das embaixadas e perto da Assembleia Nacional Popular como a recepcionista Lóide pode testemunhar. Ela lembra-se de mim, o hóspede que ela julgava importante por ter sempre motorista à hora marcada.
Foi neste hotel que conheci, fugaz e ocasionalmente, Francesca Perucci, então em Cabo Verde a recolher dados para a ONU sobre a situação das mulheres do arquipélago, país que então dependia da emigração masculina, o que fazia com que recaísse sobre as mulheres o exclusivo da responsabilidade dos filhos nascidos de uma ou de mais ligações maritais.
Volto à noite de ontem, dia 17 de Novembro deste 2023, e a ver-me fruir, numa cadeira de orquestra do Coliseu do Porto, o concerto dos 40 anos de carreira de Tito Paris. Agora ele chama o primeiro cúmplice, Dany Silva, para ambos cantarem “Crioula de São Bento” - “Meter conversa com ela // dar um passeio com ela // estar um bocado com ela “...
Há 33 anos, em Cabo Verde, além de ter entrevistado Aristides Pereira, o primeiro presidente do país, tive, por exemplo, um almoço, a dois, com o poeta e então ministro da Justiça, Corsino Fortes, poeta que confessou querer ser tambor no coração do imbondeiro, ambos já sem medo de ter medo, como outrora cantara outro poeta caboverdiano, Daniel Filipe - (...)“de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura // cumprindo os pequenos ritos quotidianos // cigarro após o almoço // café com pouco açucar // má língua e literatura”.
Agora no palco do Coliseu do Porto, Tito Paris está acompanhado do angolano Paulo Flores. A Maria Teresa Donato, na cadeira de orquestra ao lado da minha, também ela nascida em Angola, diz que o Paulo Flores é um dos grandes. Ela está quase a levantar-se e a dançar ali mesmo, à frente de uma cadeira de orquestra para desespero de uma assistente de sala.
Eu já sabia que o próximo convidado e cúmplice seria Rui Veloso. O que não sabia é que “O Meu Primeiro Beijo” também é ou pode ser uma belíssima morna - (...) Quero o meu primeiro beijo // não quero ficar impune // e dizer-te cara a cara // muito mais é o que nos une // que aquilo que nos separa! (...)”
Ontem, no Coliseu do Porto, sala onde vi pela primeira vez um filme para 17 anos, quando ainda não tinha 17 anos (uma comédia com Sammy Davis Jr), ontem foi a noite em que vi e ouvi pela primeira vez Sandra Horta, uma caboverdiana cuja voz enche uma sala como o Coliseu do Porto.
Quando, há 33 anos, estive em Cabo Verde pela primeira vez, a Sandra Horta ainda era uma criança. Ontem foi a última convidada de Tito Paris. Não actuou descalça como actuava Cesária, outra voz caboverdiana e do Mundo que também foi recordada e foi homenageada.
“Quem mostrava esse caminho longe?”
Sodade. Saudades de Cabo Verde.